segunda-feira, 28 de março de 2011

Diário da Ilha do Cajual II - O Paraíso dos Fósseis no litoral do Maranhão

Continuação da história da viagem ao Cajual em maio/junho de 2010, sob a visão de Aline M. Ghilardi.


Assim que as primeiras luzes do dia surgiram, eu abri os olhos dentro da toca. O silêncio reinava lá fora e só havia o barulho das ondas. Fiquei olhando entre os panos da barraca o Sol vermelho nascer. Imaginei bandos de pterossauros cruzando os céus em direção ao mar, sorri e voltei a dormir. Nos meus sonhos Gondwana estava reunida novamente...

Mais tarde acordei de novo com o barulho daqueles que iriam partir no catamarã. Fiquei deitada de costas com os braços sob a cabeça, escutando. A coluna sentia a dor da noite na barraca, mas era o de menos. Como sempre bastavam alguns passos e uma boa espreguiçada do lado de fora. Espiei pela tela da barraca e vi o catamarã partir.

O Catamarã - Foto por Ronny Barros

Eu não tinha pressa, iríamos ter liberdade de ir ao afloramento somente depois das 10 horas. Eu estava confortável ali e podia pensar quieta, longe dos malditos mosquitos. Além disso, não tinha fome.
Devo ter cochilado algumas vezes de novo, até que Tito também acordou em definitivo e decidimos ir tomar um banho de mar para despertar com bom humor para o novo dia.

Ficamos um tempo ali, aproveitando o mar e o Sol, mas sem dúvida podíamos notar todo o entorno nublado e carrancudo. Ainda assim, eu não esperava o que estava por vir.

Logo que saímos do mar, começou uma chuva pesada. Agradeci pela água doce que caía dos céus e me lavava antes de vestir as roupas de coleta. Como Ronny havia contado antes, esperei que fosse só uma pancada, mas a chuva, na verdade, apertou. Vi alguém vir correndo da cabana da cozinha para escorar algumas barracas que tencionavam com o vento e o peso da água. Era Ronny. Ele avisou para que nos preparássemos, pois essa chuva poderia atrasar nossa visita ao afloramento. Ainda sem entender a real situação, o ajudei junto a Tito a escorar algumas das tendas mais frágeis.

A manhã na praia - Por Ronny Barros

As gotas de chuva começavam a doer e o frio começava a judiar. Resolvi entrar na barraca para me abrigar e Tito veio em seguida.

Talvez tenha sido a escolha errada. Assim que entramos na barraca, os céus se enfureceram e começarou a cuspir água com força e soprar um vento destemido. Ventava tanto que a barraca deitava sob nossas cabeças. Torcia-se toda, frágil no vento. Fechei como pude a tenda, mas as gotas atingiam nossa toca com tal força que conseguiam penetrar o velho tecido um dia impermeável.

Comecei a assistir nossas coisas encharcarem. Tudo bem, nada que não possa secar, pensei. Guardamos os equipamentos que não podiam ter contato com a água dentro de uma sacola estanque, colocamos as roupas dentro da parte mais escondida da mochila e ficamos sentados esperando a chuva passar. Ríamos - o que haveria de se fazer?

Formava-se um lago na barraca e podíamos torcer com gosto nossos sacos de dormir. Veja: era o lago de água doce mais limpo para o banho.

A chuva não passava e eu comecei a me preocupar. A fome também já batia. Línguas de vento golpeavam a praia e traziam torrentes de chuva mais forte como num carrossel. Não dava mais para ficar enfurnado ali. Resolvemos então, no próximo suspiro das águas, correr para a cabana da cozinha, onde estavam todos os outros. Enfiamos o que pudemos na minha mochila com proteção e assim que houve um curto intervalo, corremos.

Chegando lá, olhei para traz e não podia enxergar o horizonte da praia – São Luís do outro lado. A nuvem de água cobria todo o entorno da ilha e o tempo parecia que não ia melhorar. A nova língua de chuva já voltava e o clima na cabana era desolador. Alguns soltaram uns sorrisos amarelos escancarando o tédio. Não havia o que fazer se não esperar!

As cabanas de palha - por Maiana Avalone

Enfiei umas bolachas no estômago, um pedaço de pão com patê e saboreei o delicioso suco com prazer. Fui olhar pela janela e blasfemar a água que caía dos céus.

A ilha estava se fazendo de difícil. O Cajual não queria ser desvendado? Raios...

Ronny, Prof. Manuel Alfredo e os habitantes da ilha diziam que nunca haviam visto tanta chuva por ali. Olhei a água cair, desolada. Mal sabia eu que aquilo seria só o começo...

Em torno do meio-dia, a chuva deu uma acalmada. Tito e parte do pessoal foram até a praia checar as barracas e recuperar as coisas encharcadas deixadas para trás. Eles estendiam as roupas e os sacos de dormir na choupana mais próxima do acampamento. Tudo ficaria ali para secar, se é que era possível com tanta umidade.

Algumas barracas haviam quebrado com o vento, entre elas a de May. Teríamos que remanejar algumas pessoas naquela noite para que todos ficassem abrigados... se é que dormiríamos nas barracas.
Almoçamos o que tinha e aguardávamos ordens de Prof. Manuel Alfredo.

Manuel Alfredo deixou claro o risco de ir para os afloramentos e principalmente o da Laje do Coringa, durante a chuva.  Não era só o tolo risco de quedas e fraturas na rocha lisa, mas sim o perigo mortal dos raios. A rocha escura impregnada de ferro e ainda molhada, pode ser fatal. Ele relatou alguns acidentes de moradores da ilha, que, desavisados, acabaram perdendo a vida nas praias, atingidos por raios durante a chuva. O silêncio geral consentiu a preocupação.

Os afloramentos - Por Ronny Barros

A chuva tinha cedido por volta das 14 horas. Só restavam esporádicas garoas, que aparentemente não ofereciam risco algum. Manuel Alfredo decidiu arriscar uma investida. Juntei meu material de coleta encharcado e fui seguindo a fila indiana em direção ao afloramento.

Alguns dos meninos ficaram para trás para almoçar, já que haviam dedicado um tempo extra para estender as roupas molhadas na choupana.

Manuel Alfredo decidiu que era melhor ficarmos naquele local do primeiro dia mesmo, seria arriscado demais levar todos à Laje do Coringa. Podia começar a chover de repente e sermos surpreendidos por uma tempestade de raios. Ele tinha que optar por nossas vidas.

Acredito que todos tenham ficado um pouco decepcionados. Eu apertei os dentes e não acreditei que estava ali, tão perto, para não ir ao famoso afloramento.

Fiquei trabalhando um pouco na ponta desse sítio, extraindo alguns dentes e ossos de dinossauro que tinha deixado ali no dia anterior. Além deles encontrei um bonito dente de pterossauro, uns pedaços grandes de crânio de Mawsonia. Coloquei todos num saco e os deixei ali. Disse a May para que tomasse conta do material e me dirigi para mais longe na praia.

Reconstituição artística de Mawsonia por Mineo Shiraishi.


Mirei a laje escura.

No meio do caminho parei para uma rápida ida ao banheiro, quando me deparei embasbacada com uma lagoa cercada de babaçus e buritis. Ela escondia o paraíso dos guarás.

Era maravilhoso. Um cenário onírico. Como uma janela que eu espiava com exclusividade. Uma névoa baixa destacava um plano rente ao espelho da lagoa e dezenas de guarás ali se alimentavam, banhavam ou repousavam. Eram envoltos pela névoa gentil e soltavam grunhidos suaves enquanto prosseguiam em suas atividades com delicadeza. A lagoa era ampla e havia árvores no entorno que deveriam lhes servir de abrigo noturno. Dessas árvores pendiam longas lianas que davam ao cenário uma sensação pré-histórica, uma mistura de sonho, uma pitada de surrealidade. O vermelho-rosa dava um contraste sensacional à cena e o reflexo dessas aves nas águas me fez perder o fôlego por alguns instantes. Fiquei assim, encantada. Fotografei mentalmente cada detalhe o máximo que pude. Entristeci-me por ter quebrado a câmera fotográfica logo num dos primeiros dias de viagem.  Olhei a dança dos bichos que chegavam voando. Admirei todo seu drama ao lutar com o vento, cuidadosos, tão frágeis. Ainda assim eles desciam em sinfonia, coreografados, parecendo seguir uma música. Emocionei-me. Senti ali a felicidade plena e aproveitei. Sorri. Aquela cena era dos meus olhos, ninguém mais podia assistir aquilo. Respeitei a privacidade da natureza, suas ocasiões reservadas, e segui meu caminho.

Foto ilustrativa apenas, de um bando de guarás - por Frank Krämer, Fonte: Wikipédia

Seguindo na prainha haviam abundantes clastos negros na areia. Vasculhei alguns deles, a maioria eram rochas, mas percebi que alguns deviam ser cacos de ossos judiados pela ação das ondas. Continuei. Eu via a laje ao longe.

Alguns braços de regatos chegavam ao mar ali e continuei andando. A areia firme foi ficando mole e o caminho tornou-se lamacento.

Meus pés afundavam até os tornozelos e quando eu buscava o apoio das rochas, elas me traiam, traiçoeiras e escorregadias. Cheguei num ponto em que a lama me atingiu aos joelhos e eu decidi voltar. Talvez não estivesse atacando a laje pelo caminho certo. A razão bateu: eu não deveria ir ali sozinha. Marchei de volta para a companhia dos outros. Uma garoinha chata começou a apertar e assim que cheguei perto de May para contar da tentativa, a chuva despencou.

Manoel Alfredo rapidamente convocou os alunos para uma pequena reunião. Todos apressados recolheram as ferramentas e se agruparam em silêncio em torno dele. Olhávamos o Professor com ansiedade, enquanto a chuva doía nas costas. Ele começou a falar e sentia-se o pesar em sua voz. Ele colocou em palavras curtas: “Não vou arriscar aqui a vida de ninguém, portanto, tendo que tomar uma decisão, vamos todos voltar ao acampamento”.

Pegamos o restante do material e encabeçamos o retorno para as cabanas. Sabíamos que não iríamos voltar. A Laje vencera.

Enquanto apertávamos o passo para o teto seguro, vimos alguns de nossos companheiros se dirigirem em sentido contrário. Eram Tito, Higor e Bernardo. Eles chegavam só agora ao afloramento.

Olhei para trás e os vi ficarem. Os outros todos retornaram.

Assim que cheguei à cabana na beira da praia, a chuva deu uma grande afrouxada. A garoa sem graça voltou. Senti imediatamente a frustração e o impulso de voltar.

Manuel Alfredo estava sentado num toco de árvore na praia e puxava um cigarro. Disse a ele: “Vou retornar à Laje, Professor. Vir até aqui e perder para ela fácil assim?”

Ele disse olhando o horizonte distante: “Acho melhor não voltar...”. Fez-se um silêncio. “Vá se banhar e comer.”

Respeitei a sabedoria de quem conhece aquela ilha como ninguém. Entrei na cabana, peguei minhas coisas de banho e fui me lavar com as meninas na chuva. A situação era engraçada, nos lavávamos nas gotas do telhado e usávamos uma panela para pegar a água de uma poça no chão.

O banho de caneca com água da poça - Por Aline Ghilardi

Como a água era pouca, eu decidi ir buscar um balde com água de chuva que havia deixado perto da cozinha, mas as meninas preferiram caminhar até um regato de água salobra algumas centenas de metros à frente na praia.

Lavei-me esbanjando água doce. Tinha de sobra. Enxagüei e penteei os cabelos com gosto e fui para a cabana da praia buscar roupas secas. A chuva tinha parado completamente. Eu olhei para o céu de soslaio, meio sentida. Não era possível! Parecia brincadeira. Eu não queria acreditar.

Na cabana busquei meu celular na mochila e botei o som de AC/DC no último volume para quebrar a frustração.

Busquei o que restava das minhas roupas secas e me vesti. Usei creme nas queimaduras de Sol, passei calmamente o repelente, cuidei dos cabelos e depois fui verificar o estado de cada uma das minhas roupas estendidas dentro da cabana. Meu saco de dormir não ia secar nunca. Fui cuidar da barraca para poder passar a noite e enquanto isso, reparei que Prof. Manuel Alfredo continuava sentado na praia, na mesma posição.

Eu enxugava a barraca com a minha toalha e torcia várias vezes para me assegurar de ter um lugar seco para dormir. Que ironia seria isso.

Ach...! Quando terminei estava atacada de tédio! Queria mesmo era estar com o nariz no afloramento! É como segurar felino grande numa jaula: Eu andava de um lado para o outro sem saber o que fazer.

Fiquei matando tempo observando 'Padawã' ajeitar algumas tendas bem perto da cabana para passar a noite. Colocava-as parcialmente embaixo do telhado. Paulo o ajudava. Não sabia eu que logo iria começar a ação. Manuel Alfredo se levantou calmamente e foi se dirigindo para a cabana da cozinha...

Deu tempo das meninas voltarem e se arrumarem, quando vi Ronny se apressar para as barracas. “É melhor recolher ou botar alguma coisa em cima pra segurar!”, disse afobado. Eu não entendi muito bem e nem tive tempo de olhar em volta para tentar entender, só segui rapidamente as ordens. Afrouxei as varetas da barraca e a deixei cair no chão, corri para buscar pedaços de troncos e jogar em cima dela como pude, seguindo o exemplo de Ronny. Quando me certifiquei que era o suficiente, adiantei-me para ajudá-lo e fazer o mesmo com as outras barracas. Foi questão de segundos. O vento veio cruel.


Tempestade - Foto por Aline Ghilardi

Senti meu corpo ser empurrado para trás com uma força brutal. Cravei meus pés com vontade na areia e inclinei meu corpo para a direção de onde vinha o vento. Tentei olhar em volta, mas meus olhos foram machucados pelos jatos de areia carregados nas rajadas. Botei os braços na frente dos olhos e vi tecidos de barraca voando. Agarrei com vontade o último tronco que tinha nas mãos e joguei em cima de uma tenda qualquer, Ronny correu. Eu corri atrás. Meus ouvidos eram abafados pelo zunido do vento e eu não conseguia entender o que ele me dizia em palavras apressadas. Veio a chuva. Pareciam que agulhas finas, doídas, me atingiam a pele. O cenário ao meu entorno era caótico: eu vi de relance as palmeiras se curvando e a vegetação toda dançando furiosamente. Eu tentava correr, mas era difícil me equilibrar com o vento. O cabelo vinha nos olhos e eu não conseguia retirar. Não conseguia enxergar, me dava agonia, meus olhos doíam. Eu corri as cega na direção que tinha visto Ronny correr. Enfrentava a chuva e o vento furioso em passos tolos vacilantes. Sambava com as lambidas diabólicas do vento e quase caí por duas vezes antes de chegar à segurança da cabana. Segurança? Bem, o vento invadia sem pudor aquele pobre casebre de palha. Pelos buracos do teto e pelas janelas entrava aquela chuva doída. Na verdade, parecia que não havia casa nenhuma. Eu vi as roupas voando lá dentro e algumas simplesmente foram carregadas pela janela. O resto havia caído no chão enlameado, e nos, ali, como bichos, as pisoteávamos procurando desesperadamente um canto pra se proteger. Eu me enfiei embaixo de um plástico como pude e ali fiquei. Ainda assim o vento me empurrava lá dentro. Eu nunca havia visto nada semelhante. As janelas estavam brancas, não dava para ver nada lá fora, a chuva caía com uma crueldade desmedida e o vento, sádico, tornava a situação toda muito pior. Eu tremia e não sabia se era de frio.

Encolhi-me e pensei nos meninos lá no afloramento. Meu coração ficou apertado. Escutei Ronny dizer que 'Padawã' havia ido buscá-los, com certeza a chuva o havia pegado de jeito.

Foi quando escutei o reflexo sonoro do primeiro relâmpago. Imediatamente várias coisas me passaram pela cabeça ao mesmo tempo. Eu não sabia direito com quem me preocupar, acho que ia enforcar todos quando voltassem.

Eu blasfemava quieta no meu canto, quando a chuva resolveu dar um suspiro. Abri os olhos e olhei pela janela. O vento continuava cruel e eu o via desenhar cristas brancas no mar. Ronny decidiu migrar para cabana da cozinha com os outros e tinha de ser imediatamente. Eu me recusei e decidi ficar, assim como a geóloga do grupo. Ronny insistiu, mas eu, teimosa, quis ficar. Levantei e fui olhar a janela enquanto Ronny corria para a segurança da outra cabana. Nada dos meninos até onde a chuva permitia ver.

O vento deu uma freada e eu comecei a recolher as roupas de todos do chão. Juntei-as num canto e puxei meu saco de dormir que estava numa poça de lama. Foi o tempo de recolhê-lo para o alto e o vento voltou com força e a chuva a cantar uma vez mais. Eu apanhava minhas ferramentas quando vi de súbito Tito do meu lado, com sua capa de chuva amarela toda rasgada e escorrendo. Por pouco não dei um salto: eu não o havia visto e nem escutado chegar. Ele estava parado, imóvel, ofegante, com o olhar no 220v. Acho que me adiantei velozmente para no pescoço dele para abraçar, mas não me lembro bem. Talvez primeiro reflexo tenha sido atacá-lo com alguma bronca inquisitiva.

Perguntei sobre Bernardo e Higor. Onde estava o maluco do Bernardo? Não queria chegar em São Paulo e ter de contar alguma história terrível para a mãe dele. Afinal, fora eu quem tinha animado todos para essa história do Maranhão. Certifiquei-me que Tito estava bem e então o deixei contar tudo o que havia visto.
Ele descreveu o inferno que havia passado lá na praia e explicou que os meninos estavam sim na Laje do Coringa, mas que os havia visto sair de lá para se abrigar na vegetação da costa. Disse que estavam sofrendo com a dor das gotas de chuva e não conseguiam continuar. Ele veio na frente.

Olhei para fora e a chuva dera uma trégua leve. Puxei Tito e o arrastei para a segurança da outra cabana antes que o caos voltasse. O pequeno riacho que ficava no caminho havia virado um córrego caudaloso. Atravessamos com a água pelos joelhos.

A cozinha - por Ronny Barros

Entramos na cozinha aquecida pela fogueira e todos estavam quietos. Alguns com os olhos meio perdidos. Houve certa movimentação com a nossa chegada, mas, ainda mais, quando 'Padawã', Higor e Bernardo entraram de repente.

Os meninos chegaram contanto sua história e como quase ficaram presos na laje, porque a maré voltava. Também, como por pouco não ficaram presos na lama, e como tiveram que se abrigar atrás dos coqueiros para fugir da fúria da chuva. Estavam de peito nu e os projéteis dolorosos devem ter judiado muito a pele dos garotos.

Eu fui dar um puxão de orelha no Bernardo, mas não consegui. Não tem como ficar brava com aquela criatura. Logo comecei a rir da história toda, assim como todos os outros.

Eu não tinha vontade de comer, mas o pessoal atacava o isopor dos alimentos com voracidade, enquanto compartilhavam as histórias. Agora ríamos. Engoli uns pedaços secos de bolacha meio que por obrigação.

Logo Tito foi banhar-se na chuva mesmo, e eu lhe consegui as últimas roupas secas. Ele vestia minha calça e camisa. A situação toda chegava a ser cômica. Todos estavam chateados, mas era nítido: existia alguma excitação de aventura e agora havia bom humor espalhado naquele abrigo.

Sentamos todos, cada um no canto e ficamos aguardando no calor da fogueira. Só se falava da chuva e que nunca ninguém havia visto nada semelhante.

Escureceu rápido demais e quando percebi já estávamos esperando um resto qualquer de comida requentada.

Nesta altura dos acontecimentos, eu sabia que teríamos que dormir encolhidos ali naquela cabana. A chuva não era mais absurda de forte, mas continuava persistente e ritmada. Não havia possibilidade de usar as barracas, pelo menos a nossa.

Eu estava com sono por causa de uma pílula de anti-alérgico que havia tomado - as picadas de mosquito estavam me matando...  – e eu não via a hora de ir dormir. As pílulas de “maleato de dexclorfeniramina” eram traficadas pela cabana já que todos sofriam com as picadas.

Assim que os restos de comida quente ficaram prontos, comi o que consegui do meu prato e entreguei o resto para o Nardo. Ele nunca recusava. Logo depois, Tito, como sempre muito atencioso e cheio de carinho e atençao, percebendo meu cansaço, esperou um suspiro da chuva para correr na cabana da praia e buscar o seu saco de dormir - surpreendentemente já seco! Meus olhos piscavam.

Vista a partir do litoral da Ilha. Do outro lado, São Luís, MA - Foto por Ronny Barros

Aquela noite seria memorável.


Próximo capítulo: A noite na cabana dos porcos
continua...


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4 comentários:

  1. ;)
    Boas memórias de aventura!
    Que ódio que eu não consegui prospectar melhor a laje! Eu tinha uma certeza que tinha um spino ali!!!

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  2. No final, tinha mesmo rsrs...

    Este post fica especialmente interessante se vc ler escutando isso: http://www.rainymood.com/
    rsrs

    Abraços a todos!

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  3. Finalmente arranjei tempo pra ler.

    Comunidas de vida semi-primitiva, tendas, mosquitos, pancada d'água, roupas danificadas e mais uma grande variedade de infortúnios... Enfim, muito bacana.

    No mais, achei curioso o risco de eletrocução; algo tão evidente que nem me passou pela cabeça.

    Aguardando o desfecho.

    =}

    Fica a lição: Nunca reclamar da escassez de água doce.

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  4. Ah, Velton, que bom que está gostando! Fico honrada mais uma vez com o seu comentário. O desfecho sai essa semana ainda. ;]

    Velton, parte dos colecionadores vai para Recife no final desse mês, visitar a UFPE e arredores. Que tal a gente conhecer você? Mande um alô! alinemghilardi@yahoo.com.br

    Abraços!

    Aline

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