sexta-feira, 6 de maio de 2011

Diário da Ilha do Cajual III - O Paraíso dos Fósseis no litoral do Maranhão

Continuação da história da viagem ao Cajual em maio/junho de 2010, sob a visão de Aline M. Ghilardi.

A Noite na Cabana dos Porcos

Os porcos do Cajual - Foto de Maiana Avalone

Estendemos um forro na divisória do fundo do barracão da cozinha. De fora a fora. Caberíamos quase todos ali. Higor e Padawã ficariam em redes, na divisão ao lado, junto com Nardo, no chão. Prof. Manuel Alfredo e nossa geóloga ficariam no barracão da praia.

O ‘cômodo’ no qual estávamos era meio depósito, meio abrigo de animais. Havia caixas e lonas num canto e algumas ferramentas de pesca de camarão espalhadas. Na base das paredes feitas de folhas de coqueiro trançadas havia buracos mordiscados pelos porcos. O chão era de uma areia escura bem suja e o cheiro era fortemente orgânico. Tudo estava úmido...

O forro que estendemos no chão evitava o contato com o areia, além de ajudar a segurar um pouco o frio. Tito esticou seu saco de dormir num dos cantos e nos aconchegamos rapidamente para dormir. Lembrei-me de passar toneladas de repelente, já que a quantidade de maruins ali era assustadora.

Assim que consegui acalmar Tito, depois do avistamento de uma aranha ‘desconhecida’ entre as palhas da parede da casa, eu me deitei de lado e procurei cair no sono. Impressionante. Foi me acomodar com gosto, para o sono me fugir pelos dedos. Resolvi então ficar de olhos fechados escutando o pessoal se movimentar e aguardando a benevolência de Morpheus. Logo Neila e May vieram se ajeitar como podiam. Em seguida Mayra e logo depois Paulo. Ronny foi o último.

Paulo roncava pelas duas pontas, o resto estava em silêncio com exceção de Higor, Bernardo e Padawã na outra divisória. O ataque dos Maruins era insuportável. Eu não conseguia me concentrar em outra coisa que não fosse o incômodo das picadas. Meus tornozelos estavam sendo devorados, assim como o meu traseiro. Eles picavam atravessando as roupas, era assustador!

Num intervalo quase cronometrado eu parava para me coçar com avidez. O alívio era efêmero. Dava vontade de chorar de ódio e desespero. Foi quando comecei a escutar os porcos do lado de fora da casa, deviam ser uns 4 ou 5, e estavam em plena atividade.

Eu me ajeitava ao lado de Tito quando escutei Ronny exasperado: “Ah muleque!!!!! Tem um porco fuçando na minha cabeça!!!” E num salto olímpico - de fazer inveja a Daiane dos Santos - vi Ronny ir parar na porta, xingando até as paredes. Segundos depois Paulo acordou desesperado: “O porco passou em cima de mim, o porco passou em cima de mim!!!”. Quicou até a porta como Ronny e escutei os porcos se apressando do lado de fora, guinchando. Coloquei-me a rir e as meninas acordaram assustadas do meu lado. “Tem um porco aqui dentro???”, disseram.

Pessoal debaixo do cajueiro, na frente da porta do barracão da cozinha - Paulo, Neilinha, Maiana e Mayra

Ronny olhou para Paulo: “Você sonhou, cara!!! Mas que tinha porco fuçando na minha cabeça ali perto da parede tinha!!!”. Ronny estava muito perturbado com a idéia do porco lhe fuçando os cabelos. Escutei alguém chutar um porco do lado de fora e o bicho guinchou perturbado. Pezinhos saíram apressados para algum lugar e fez-se silêncio do lado de fora.

As meninas arregalaram os olhos e levantaram-se imediatamente. “Nós não vamos conseguir dormir aqui!!!”. Foram para o cômodo do lado com os meninos, ficando só Neilinha com a gente. Eu e Tito nem nos mexemos, eu ria sozinha em silêncio.

O sono começou a bater quando escutei Ronny falando que ia montar uma barraca para ele ali na frente, do lado de fora. “Eu não quero nem ver porco!!”. Padawã e Higor riam. Higor comia. As meninas estavam agachadas em cima de caixas, assustadas com os porcos. Então cochilei finalmente.

Acordei com a chuva caindo pesada e incomodada com as constantes picadas. Coçar já doía. Eu estava com muito frio e meu corpo começava a tremer involuntário. Escutei de longe Ronny dizer que ia ter que desistir da idéia da barraca. Chovia muito e ela estava ficando toda molhada. A luz da vela no cômodo do lado ainda estava acesa. As meninas estavam sentadas uma do lado da outra numa caixa, ainda acordadas, evitando dormir com medo dos porcos. Higor ainda comia e Padawã falava initerruptamente.

Eu escutava os porcos do lado de fora, mas pouco me importava. Puxei um pedaço do saco de dormir de May para me cobrir e cochilei de novo.

Percebi que ia ser uma noite difícil quando acordei mais uma vez. Havia movimentação e o pessoal voltava para se acomodar com a gente. Entreguei o sleepingbag pra May, meio contrariada intimamente - eu realmente estava sofrendo com o frio - e então fiquei escutando cada um se ajeitar num canto da melhor maneira que podiam. Ainda havia preocupação com os porcos. Eu estava era incomodada com os mosquitos e o frio que agora se tornava cruel. Meu corpo tremia e a melhor maneira que encontrei de tentar controlar o incômodo era me contorcendo de um lado para o outro, roubando calor de quem estivesse do lado.

Devo ter cochilado mais alguns minutos apenas, antes de acordar de novo com meus músculos se sacudindo e meus dentes batendo de frio. Era incontrolável! Esfreguei com força meus braços e pernas esperando amenizar a tortura congelante. Mas isso já não funcionava. As roupas úmidas me levariam a uma hipotermia se continuasse assim. Já conhecia esta história das explorações em cavernas. Amaldiçoei meu saco de dormir molhado que secava na cabana da praia. Senti falta do meu cobertor térmico de emergência... Pensei na situação cômica em que me encontrava num dos estados mais quentes do Brasil, poucos graus abaixo da linha do Equador.

Tito acordou assustado, percebendo minha situação. Apressou-se em me abraçar e esfregar com intensidade os meus braços e pernas. Bastou um pouco de ajuda e o sofrimento passou. Aconcheguei-me no quente e dormi finalmente. Estava exausta. Dormi um sono pesado e sem porcos.

Próximo e último capítulo: A Espera pelo Catamarã

"Enrolei para levantar porque parecia muito cedo. A chuva ainda caia com vontade do céu, mas não havia mais o vento cruel. A claridade era cinzenta. Vi pela porta Manoel Alfredo tomando café e olhando fixo para a janela da casinha. O catamarã deveria nos buscar hoje, mas será que ele viria? O Professor tomava goles pausados da caneca e observava o horizonte do mar. Tinhamos um problema..."

Continua...

ATENÇÃO: Todas as imagens aqui contidas têm direitos autorais e só poderão ser utilizadas/reproduzidas com a autorização prévia dos respectivos autores.
Para mais detalhes Geo-Paleontológicos acesse "O Maranhão no Tempo dos Dinossauros" (aqui).

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